Bina Coquet: jazz manouche com ginga brasileira

(Foto: Rui Nagae Fotografia)

Embora seja novo na geografia mundial do jazz manouche, o Brasil já tem seus expoentes. Um deles chama-se Bina Coquet. Nascido no Rio de Janeiro, o violonista mudou-se para São Paulo antes de completar 1 ano. Iniciou sua caminhada na música profissional em 1994, explorando sonoridades brasileiras. Dessa etapa sã os discos Samba de Gringo (2005) e Samba de Gringo 2 (2007), feitos em parceria com o organista Ehud Asherie. 

Desde 2010 o músico tem se aprofundado no jazz manouche. Naquele ano, iniciou um projeto que só ganhou vida em 2017, com o álbum Bina Coquet. O repertório tem sete faixas autorais e cinco releituras, tudo registrado com gente importante do estilo: Gilberto de Syllos, Daniel Grajew, Ernani Teixeira, o próprio Ehud Asherie, entre outros.

O que se encontra no trabalho é feeling, inspiração e passagens realmente fervilhantes. Não somente pelos timbres captados, mas os solos, a raça e os detalhes mais discretos compõem um colorido excepcional. Um nível que permanece na altura pela qual pairam as grandes obras. 

Leia a entrevista que fiz com Bina.

O que representa ter lançado seu mais recente álbum?
É o resultado de uma nova fase musical, que iniciei nos últimos sete anos.

Apesar de boa parte do repertório ser de músicas suas, há releituras. Me veio a ideia de que representam a transição de sua fase música brasileira para a de manouche.
Sim! Também foi uma forma de mostrar a semelhança entre esses estilos, e ainda uma maneira de popularizar uma coisa que poderia ser rotulada apenas como “música instrumental” – sem falar que gosto muito de fazer essas versões.

Qual foi a faixa que deu o start no álbum?
As primeiras faixas, versões, ficaram de fora do CD. Regravei Sabiá, de Luiz Gonzaga – um xote –, e Trem das 11, de Adoniran Barbosa. Enfim, as músicas que deram o start não entraram, mas costumo tocá-las sempre ao vivo.

Em 2011, inicialmente, você pensava em preparar um álbum?
Sim! Isso é, ou seria, o resultado de um CD que intitulei de Batuque Manouche! Estava na gaveta, aí, surgiu a oportunidade real de lançar um álbum físico e oficial. Algumas faixas, como Sonhos de Um Louco e Doce de Coco, faziam parte dessa fase e são as mais antigas do repertório – ainda gravadas com meu primeiro violão manouche! Outras regravei, e há as que foram feitas e registradas para finalizar o material, de fato.

Há faixas bastante peculiares em sua maneira de abordar, por exemplo, Xote Manouche, Sonhos de Um Louco e Mancando no Baile. Qual é a veia que pulsa mais forte quando compõe?
É difícil dizer ou definir. Acho que é mais uma coisa do momento ou de inspiração.

As releituras que fez nos dá um insight do quão semelhantes alguns gêneros brasileiros são do manouche. As do Jacob do Bandolim, Noel Rosa e Cartola são exemplos disso.
Capa do CD
É como eu havia falado antes sobre as semelhanças desses gêneros... Costumo brincar e dizer que o jazz manouche foi um acidente em minha vida [gargalha]. O que quero dizer é que me lembro de quando passei a me interessar e a conhecer esse estilo. Imaginava que seria bem difícil tocar dessa forma e que não teria com quem tocar. A ideia era usar esse violão, sonoridade, e tudo o mais, porém, para tocar música brasileira.

Quem e qual estilo te despertaram a paixão por música, por querer tocar um instrumento?
Eu passei a me interessar por música por volta de 1983, mais pelo rock e guitarra. Na época, era uma nova brincadeira, que foi ficando e amadurecendo ao longo dos anos. Era um fascínio estar diante de um instrumento musical, tirando a flauta doce, é claro! [risos] Brincadeira!

Quando passou a se interessar e se dedicar ao jazz manouche, para tocar e tal, e o que te colocou em contato com essa vertente?
Me lembro de, em 2009, mais ou menos, ouvir uma gravação de Tico-Tico no Fubá do grande gênio das cordas Garoto. Ele tocava violão tenor e fazia um solo incrível que me lembrou o pouco que conhecia de Django Reinhardt. Então, dali fui pesquisar mais sobre o Django, e, na internet, descobri esse mundo novo, para mim.

Quais eram as referências que havia no Brasil naquela época?
Se você for pensar em jazz manouche mesmo, acho que nenhuma!

Qual é o músico brasileiro mais das antigas que se recorda tocar ou gravar jazz manouche?
Nenhum. Não havia referências para mim, só o Django mesmo! Agora, guitarra das antigas no Brasil, para mim, era o Bola Sete, que tocava violão e guitarra.

Ao vivo, dá para reparar o quanto você tenta se aproximar do jeito Django de solar, usando essencialmente os dedos indicador e do meio nos solos.
Algumas coisas ficam mais fáceis de tocar apenas com dois dedos. Sem falar que, talvez pela força, esses dois dedos dão mais expressão. São dos mais fortes, fisicamente. É necessário tirar som desse tipo de instrumento!

Você se tornou uma das grandes referências do manouche nacional. O que considera o ponto de virada para essa realidade em sua carreira?
Acho que por não haver tantos músicos tocando esse estilo. Mas isso está crescendo aos poucos.

Para onde já viajou, levando o manouche nacional?
Bom, morei em Nova York entre 2010 e 2011. Foi lá onde comprei o primeiro violão manouche e também onde comecei o Batuque Manouche. Esse seria o nome de um projeto que estava elaborando, a partir das primeiras gravações que resultaram nesse CD. Batuque Manouche também seria o nome do álbum, que depois ficou só Bina Coquet. 

Em janeiro de 2017, estive no Django Amsterdam - The Global Gypsy Jazz Festival, a convite de Robin Nolan. Passei ainda por Bruxelas [Bélgica] e Paris [França]. Alguns anos atrás, toquei no Uruguai, e com o violão manouche acompanhando um cantor. Tenho viagem marcada para Alemanha e França. Com outros projetos, já toquei no Canadá e Paraguai.

Aliás, dá para dizer “manouche nacional”, no sentido de uma identidade musical própria? Qual seria essa identidade?
Espero que sim! É muito cedo para dizer ainda. Se depender de mim, sim! Essa identidade poderia ser tanto no repertório quanto na adaptação de ritmos, como samba, choro, frevo, baião, maxixe, xote etc.

O que considera fundamental para que se crie, de fato, uma cena manouche por aqui, no Brasil?
Acho que mais músicos adeptos ao estilo e festivais, como o de Piracicaba [Festival de Jazz Manouche de Piracicaba], que tem sido muito importante para o intercâmbio de músicos! Parcerias com outros festivais do exterior... Acho que estamos no caminho.

:::: Confira uma das faixas do disco Bina Coquet, Pagode Russo.
 

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