O jazz manouche brasileiro de Mauro Albertt

(Foto: Lenara Guerra)
 
Jazz manouche é meio que nem bossa nova: a maioria dos músicos que vemos tenta emular o som criado por Django Reinhardt. Se considerarmos o teor fantástico e original dessa sonoridade, até que dá para entender. Porém, convenhamos, da esfera criativa é desestimulante. É mais do mesmo, sem uma inspiração capaz de nos agarrar os ouvidos e dominar completamente nossa alma. 

Entretanto, há quem carregue o sangue da ousadia. No Brasil temos poucos desse grupo, afinal a cena também não é lá tão vasta e antiga - tem menos de 20 anos. Um deles chama-se Mauro Albertt, exímio violonista cujo mais recente álbum mostra o quão saboroso fica o tradicional quando lido pelo desprendimento do espírito moderno. Intitulado Optchá – Jazz Manouche (2016), o registro trafega por referências variadas sem se desconectar por completo de seu norte. E agora um louvável dado curioso, amplia sua obra dentro do respeitado selo norueguês Hot Club Records. 

Seu jeito de tocar jazz manouche traz muito de música brasileira. É uma marca pensada ou natural?
É uma marca totalmente natural. Meu amigo e mestre Louis Plessier, ilustre guitarrista [violonista] manouche com quem tive a oportunidade de conviver e tocar por alguns anos, foi a pessoa que disse para eu seguir meu caminho e fazer meu som, usar minhas influências e composições. Como ele falava: “Em cada bairro de Paris há mais de 50 guitarristas tentando tocar como Django, tirando tudo o que podem. Mas, Django Reinhardt, existiu apenas um”. 

A faixa Waves, do Optchá, soa mais MPB, bossa, do que manouche. O público que está acostumado a Django e às cópias dele aceita sua música de que jeito?
Em todos os álbuns que gravei de jazz manouche fiz questão de incluir temas com rítmica e concepção fora desse estilo, mas com o timbre "cigano". Temas como Céu Limpo (do disco Jazz Manouche Brasil), Pra ti (Exchange Gypsy Jazz) e Waves (Optchá) têm uma pegada mais world music. Creio que a fusão de estilos, com respeito às tradições, é bem aceita. 

Optchá traz um agrado aos mais conservadores do estilo, como o Django incidental em Fogo y Agua.
Fogo y Agua, compus em homenagem a Angelo Debarre e a Marius Apostol, dois músicos que admiro bastante. Esse tema tem uma pegada mais do leste europeu, um tanto romena ou klesmer. O Django incidental veio por acaso. O publico gosta muito. 

O álbum vem costurado por outras peculiaridades de sua abordagem. O solo de La Fiesta, por exemplo, tem um sotaque altamente roqueiro. De onde vem essa raiz rocker?
Comecei a tocar em 1985, aos 9 anos de idade. Como a maioria dos garotos, fui me seduzindo pela guitarra. Toquei estilos diversos, como bossa, jazz, world, blues, regional. Entretanto, posso dizer que minha raiz é rocker. 

Que título é esse, Optchá?
"Optchá" é uma saudação cigana que significa "salve". Esse álbum é dedicado a meu amigo e mestre Louis Plessier, falecido em março de 2014. 

Seu processo de criação, imagino, é bem livre. Atualmente, você se sente em um momento produtivo? Tem composto?
Sempre saem temas novos. Se eu lembrar do tema algum tempo depois é porque é especial. Vou selecionando e dando atenção aos que gosto mais, e assim vai... tipo repescagem. A questão do fator climático exerce bastante influência sobre minha inspiração e produção. O período do outono e da inversão são os mais favoráveis. Em minha opinião, o "tempo bom" do ano chegou! 

De modo geral, o jazz manouche é um estilo estacionado, datado, como aquela sonoridade típica da Jovem Guarda?
A maioria das pessoas associa o jazz manouche diretamente ao estilo hot club. Porém, com a fusão de gêneros e de muita gente, o manouche de hoje é bem mais amplo. Vale a pena "abrir" os ouvidos, pesquisar. Há diversos trabalhos pra lá de interessantes. 

Qual é a cara do manouche hoje em dia?
Ao mesmo tempo, regional e universal!

Veja a seguir Mauro Albertt tocando Fogo y Agua.

Comentários

  1. Mauro Albertt é o meu compositor preferido de jazz manouche. Gosto de todos os seus cds, com belos temas. Ouvi de várias pessoas no Festival de Piracicaba (que não são conhecedores do manouche) sobre a originalidade do som do Mauro. Ele é, além de grande compositor, um músico de técnica apurada e um cara muito legal! Um grande parceiro nesta árdua batalha do gypsy no Brasil. Desde 2008, tenho acompanhado com muito interesse tudo o que diga respeito a gypsy jazz. Gosto muito das abordagens originais do manouche que têm acontecido por aqui, como, além de Albertt, a de Bina Coquet (em seu belo cd solo, com temas autorais e de choro e samba), e a de Ernani Teixeira (com o Hot Jazz Club no Festival de Inverno de Piracicaba, a aplicação do manouche em vários temas eruditos de Mozart, Bach, etc). Mas vejo interpretações mais tradicionais e excelentes como Jazz Cigano Quinteto e Hot Club do Brasil. No cenário internacional, também aprecio um gypsy jazz diferente do Django: Robin Nolan (com rock do ACDC), John Jorgenson (temas autorais), Dario Nápoli e Gonzalo Bergara (linguagem mais moderna), Tcha Badjo (com dois fantásticos violonistas, Charles e Damien, e o baixo e vocal especial do Johnny. Mas fico encantado ao ouvir um jazz manouche "old school" como o de Fappy Lafertin. E nos shows e cd's de virtuosos violonistas como Stochello, Mozes, Angelo, Paulus, percebo uma técnica impecável e uma abordagem individualmente original, apesar de ser mantida (e gosto disso) a tradição cigana. Nos cafés da França, não acho que ocorra mera cópia do Django. A nova geração dos violinistas de nível alto busca sempre colocar novos ingredientes, do jazz moderno à música brasileira. Os cd's sempre têm temas autorais, embora um outro ainda sejam do Django. Acho que as gig's é que mantém sempre os mesmos temas (talvez até pra facilitar as sempre frequentes jams sessions). Parabéns pela excelente entrevista, Henrique!

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