Paul Stanley: cafi con leitche, papo e rock and roll



Quando o Kiss voltou ao Brasil, em abril deste ano, para alguns shows, agendei uma conversa com Paul Stanley, em São Paulo. Ficamos acertados para o dia anterior à performance deles no festival Monsters Of Rock. A entrevista saiu na Guitar Player de agosto (edição 232, com o Angus Young na capa).

Por conta de espaço, algumas das perguntas/respostas tiveram que ser limadas da diagramação final. Por isso, resolvi reuni-las e postá-las aqui, afinal, o papo durou quase 1 hora e foi bem legal. Ele surgiu simpático e disposto a falar – desmascarado, em ambos os sentidos (figurado e literal). Estávamos em uma sala reservada, longe da euforia dos fãs e de qualquer distração. A única interrupção ocorreu quando chegou o seu desejado descafeinado. Aproveitando a deixa, perguntei se já havia provado algo típico daqui, o café com leite. Respondeu-me que não, mostrando interesse no tal “cafi con leitche” (em seu português precário).

Bom, mas não era para tratar de culinária brasileira que havíamos marcado a entrevista. Aqui vão os bônus inéditos, tais como eu havia preparado para a matéria (mesma ordem). Os temas não são tecnocratas quanto possam parecer. Divirta-se!

Gostei bastante de Monster. Se tivesse saído em outra época, talvez tivesse rendido algum clássico.

Monster é um grande álbum, há músicas muito boas ali! Agora, quando se fala em canções clássicas, o interessante é que elas se tornam clássicas ao longo de anos, e não da noite para o dia. Não dá para lançar um álbum e as pessoas dizerem de cara: “Hell or Hallelujah é tão boa quanto Strutter”. É como o vinho: evolui com o tempo. O que é clássico hoje, Psycho Circus, Lick It Up? Mas quando estas saíram eram somente boas canções. Do Monster, Hell or Hallelujah e Long Way Down são ótimas faixas! Há coisas bem legais nesse disco.

Gostaria que me comentasse sobre a sua nova Ibanez signature. Quais são as principais diferenças em relação às versões anteriores?

Não há grandes diferenças, somente pequenos detalhes. É praticamente a mesma guitarra. As primeiras que fiz foram nos anos 1970, depois, nos 1990, e agora retorno a elas. Todas as minhas guitarras são baseadas em referências testadas e consagradas, e os modelos clássicos são ótimos porque têm madeira e componentes de qualidade. Mas não há um monopólio no que tange a fazer instrumentos. Qualquer um pode construir algo bom. [A construção] É uma questão de gosto, do que você prefere.
Originalmente, essa Ibanez PS10 foi uma combinação de vários modelos de que gostava. Peguei um pouco dessa, o braço daquela, o mogno para o corpo, com top de maple, de outra... Enfim, está cheia de recursos célebres e, quando se junta tudo isso, acaba tendo algo bom. E a guitarra ficou joia! Ao longo dos anos, as pessoas queriam esse modelo de volta, então, fico feliz em poder usá-lo novamente. Além do quê, toda a atenção que tem atraído é maravilhosa.

Sim, é uma guitarra icônica, quando se trata de Paul Stanley, assim como o Gene com o baixo Axe. O Kiss é uma banda bem imagética, aliás.

Exato! Sabe, adoro tocar com Les Paul, mas acho estranho usá-la no palco. Não representa quem eu sou. Já essa Ibanez é uma guitarra icônica e me faz sentir confortável.

Estou enganado ou você dedica uma atenção especial aos amps?

Amps são muito importantes, mas não tenho regras – exceto que devem soar bem. Na maioria das vezes, usei os valvulados, mas, a certa altura, provavelmente uns dez anos atrás, eu usava um solid-state que era bacana. Hoje, conto com os alemães Engl, que são ótimos e têm aquele som clássico. Foram projetados para mim. Soam da formo como gosto.

Todo bom amplificador e toda boa guitarra são baseados nos grandes modelos. Para o tipo de música que fazemos, os amps são mais ou menos inspirados nos Marshall Plexi. Também há aqueles espelhados nos Fender Dual Showman, Fender Twin Reverb... O mesmo vale para as guitarras, que são baseadas em Stratocaster, Les Paul, SG, Flying V... Quando se tenta reinventar a roda fica ridículo. Você vê por aí guitarras que parecem saídas do Star Trek, com um visual boboca.

É meio como aquela coisa: apesar de existir vários tipos de moda, mais cedo ou mais tarde, você voltará para a sua calça jeans!

Quanto a sua pintura afeta a sua música, e vice-versa?

[Pensativo] Não sei! Não sei se afeta. Acredito que quanto mais canais tivermos para aprimorar a nossa criatividade, mais maneiras encontramos para nos definir e melhorar o que somos. Talvez, de alguma forma, ambas se influenciem e colaborem entre si, já que você se conhece mais quando faz coisas como teatro, ópera, pintura... Tudo isso é ótimo! De repente, essas coisas se cruzam de alguma maneira.

Sim, porque compor ou arranjar uma música não deixa de ser quase como escolher as cores e os pincéis que usará numa tela.

Exato! Sabe, a beleza da arte – música ou qualquer outro tipo de arte – é que se trata de algo que não existe, que não dá para ser tocado, e, então, você o cria, do nada. Isso é incrível! Torna aquilo real.

Você acha que o fato de as rádios em geral terem perdido o poder e a influência que tinham prejudicou o rock, de certa maneira?

Acho que algo que é grande sempre irá sobreviver e prosperar. Não dá para interromper o que é ótimo. Você não conseguiria brecar o Kiss quando surgimos. Naquela época, a música nos Estados Unidos era basicamente de violões, e nós viemos com tudo! Então, ninguém, nem as rádios, conseguirá fazer com que as pessoas deixem de mergulhar naquilo que gostam. Talvez as coisas fiquem mais difíceis, mas quem deve vencer irá vencer porque não desiste.

Sim, mas me pergunto quais serão os clássicos desta atual geração daqui a 20 anos.

Não sei! A última grande banda a pintar na cena foi o Foo Fighters, e isso aconteceu há 20 anos! Mas alguém irá surgir, é sempre assim.

O que pensa e sente um rockstar bem-sucedido de 63 anos?

O rock and roll evoluiu a ponto de se tornar não mais uma música somente de adolescentes, como era no começo. Tornou-se uma música de liberdade, de celebração à vida. Não se trata de idade. Trata-se de um estilo de vida, de uma maneira de olhar o mundo. Ninguém controla isso! Há adolescentes que são velhos e há pessoas mais velhas que são jovens. O rock and roll é a música deles. A grande coisa sobre isso é que você começa a escrever suas próprias canções e leva os fãs por uma viagem que dura enquanto o que estiver sendo cantando se mantiver conectado com o público. Então, ter 63 anos e ainda fazer rock and roll me parece totalmente certo. Essa é a música da autoafirmação, do dizer “posso ser quem eu quiser e fazer o que quiser”, e isso nunca muda!


Henrique Inglez de Souza

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