FUTEBOL

Fui torcedor roxo desde a infância até, sei lá, os meus 16 anos. Torcia incondicionalmente, assistia a todos os jogos, ouvia pelo rádio quando não eram transmitidos na TV, discutia, defendia o meu brasão com unhas e dentes. Uma vez, depois de uma derrotada final, cheguei a ter febre, tamanha frustração. Era uma paixão realmente genuína e intensa.
 
Entretanto, algo mudou. Talvez porque o futebol tenha passado a se tornar cada vez mais mercenário, mercantil e sem personalidade. Perdeu sua identificação, aquela, que se fazia na imagem dos clubes associada a determinados craques. De repente, os heróis eternos transformaram-se em ídolos descartáveis e de curtíssima duração. Não por acaso que a tal estigma da camisa 10 enfraqueceu-se e a arte, que tanto abrilhantava os gramados, sumiu de vez (pelo menos, por enquanto).
 
Acho que essas razões me convenceram ao desinteresse pela paixão ardente, que nunca foi a única – devo admitir. Enquanto o futebol perdia espaço e virava algo restrito a finais de campeonato pela TV ou jogos da Seleção em competições relevantes, a música só ganhava força e chão em meu universo. Já fui incontáveis vezes a estádios, porém, na grande maioria das vezes, para ver shows e não partidas. Hoje, penso que foi a melhor coisa que me aconteceu, afinal música chegou muito antes na minha vida do que o dito esporte número 1 do Brasil.
 
Mesmo assim, vira e mexe, ainda assisto ao meu time – do qual prefiro dizer que sou um torcedor não-praticante pelas razões que acabei de contar. Até me vejo em situações um tanto nostálgicas, de quando esbravejava em defesa do meu brasão do coração... Recentemente, depois de uma final vitoriosa, escrevi qualquer coisa na internet para festejar – um "viva!" qualquer despretensioso. E foi o estopim!
 
Um conhecido meu, torcedor do time rival, comentou a minha publicação em tom da já manjada e decorada provocação. Disse: "Somos octa!" – cantando vantagem em relação ao número de títulos nacionais. Achei um tanto sem-noção da parte dele, já que seu time havia caído para a segunda divisão do campeonato e estava bem mal das pernas. Respondi: "Quem vive de passado é museu, mas beleza! Na falta de algo novo e bom para se comemorar, é normal ficar nesse discurso repetido, empoeirado e gagá."
 
Não demorou muito para ele insistir: "Somos octa, temos estádio e conquistamos a Libertadores da América. É bom para vocês pensarem no futuro mesmo, porque o presente está tudo atrasado!" Novamente, fez a lista completa do discurso decorado das discussões que o futebol produz – e que são um porre. Entretanto, me animei com a brincadeira e mandei: "Gosto de assistir ao jogo e festejar títulos conquistados. Se o time tem ou não estádio, não estou nem aí!"

Mas aí, meu conhecido quis estender aquele papinho chato e devolveu: "Continuo na mesma: sou octa, já fui campeão do século, tenho uma Libertadores, não tenho título suspeito e roubado, sempre tive estádio (pago pelo próprio clube)... Quer comentar alguma coisa? Eu te espero por mais três títulos."
 
Aquilo me fez perguntar o óbvio, o que rendeu um diálogo ainda mais vazio e repetitivo:
 
- OK, mas no que isso realmente muda a minha alegria por ver o time que torço campeão?
 
- Nada. Meus parabéns pelo seu pentacampeonato – disse ele ironizando –,mas eu ainda sou octa!
 
Foi então que entendi por que me cansei de futebol. Assim como política e religião, dificilmente há uma conversa construtiva. Fica sempre nessa de competir para ver quem tem o argumento mais arrematador. Não há concessões, só radicalismo otário. O pior é que pessoas brigam e se matam por conta de algo que não deveria ser nada, além de divertido e descontraído.
 
Pensando por aí, decidi economizar o meu tempo. "Pois é! Futebol gera uns orgulhos meio bestas mesmo", comentei. "Como se os títulos ou a estrutura do time fossem méritos pessoais dos torcedores. No fundo, bela merda, né mesmo? Do futebol, só curto torcer. Mais que isso é levar muito a sério algo que não muda efetivamente em nada as nossas vidas."
 
Houve um breve silêncio. O cara não se manifestou mais. Contudo, acabou deixando sua conclusão, e positiva, para a minha surpresa: "Não consigo discutir com repórter! Tem o texto todo elaborado... É mais fácil voltarmos às velhas conversas sobre rock and roll! Placar de 1 x 0 para você!"
 
Foi o único aspecto sensato e em que realmente concordamos.
 
 
Henrique Inglez de Souza

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