NOSTALGIA MUSICAL: TOME CUIDADO COM ISSO!

A nostalgia é mesmo o afago da saudade ou então a desculpa da esperteza. Do romântico ao extremo comercial, aí está um clima que sempre encontra um cantinho para se manifestar entre as pessoas. Fico vendo essas bandas saindo em turnê para tocar um de seus álbuns clássicos na íntegra. Tenho sentimentos variados a respeito. E, uau! Como tem sido cada vez maior a quantidade de artistas tomando esse tipo de iniciativa! A maioria tem larga experiência, o que nos torna complicado identificar as boas e as más intenções de cada um deles.

Mas qual é o problema de se revisitar uma obra que é sua e que marcou época? – me perguntou um amigo. Problema nenhum, respondi. Nada contra, mas há casos pelos quais também não nutro nada a favor. Estes são aqueles que, na falta de grana ou criatividade, resolvem reinvestir em algo próprio que deu certo. São sinais de um tempo que chegou ao fim ou de que acabou o colhão criativo para arriscar.

Para a banda é uma ótima ideia, pois hoje em dia a relação público-artista mudou bastante em relação ao que era, por exemplo, há dez anos. Sem rádios fortes e menos movidas a jabás, as chances de termos clássicos como antes são mínimas. Consequência direta: os fãs ficam nostálgicos. Querem resgatar um tempo que ficou lá atrás – para alguns, um tempo que nem viveram (mas tá valendo!). Isso está nítido nos shows de hoje em dia, em que o público reage com certa moderação às novas canções e põe a casa abaixo nos hits de sempre.

Pegue aí a turnê que celebrou os 35 anos de 'Alive!', do Kiss. Aquilo foi uma tremenda falta do que fazer aliada a uma berrante sede por dinheiro. Tudo bem que eram "eles" e tal, mas ninguém me convence de que a coisa estava "braba" para o quarteto – mesmo porque, a formação é quase um semicover de si próprio. Outro tiro-n'água: a turnê em comemoração dos 30 anos de 'British Steel', do Judas Priest. Com os álbuns chatos que a banda tem lançado, acho que até eu teria apelado para um grande sucesso do passado. "Comemorar" foi pura desculpa da esperteza enfeitada de nostalgia.

Já o Iron Maiden com sua brilhante turnê 'Somewhere Back in Time', que revisitou sua melhor época (até 1992) só merece elogios – embora tenha sido uma óbvia declaração de que o disco 'A Matter of Life and Death' foi bem fraco. Os caras fizeram shows memoráveis, com energia e aquela saudade de quem não toca uma música que gosta há séculos. E a isso dou a etiqueta de afago da saudade.

Mas o fato é que as pessoas, de um modo geral, são dependentes do que veiculam as rádios, principalmente. Não são limitadas a isso, mas, para consagrar um músico, seu disco ou canção, sim! Quer ver outro sintoma claro desse triste contexto? É só reparar no número de relançamentos especiais, comemorativos e etc., cheios de livretos, fotos, capinhas caprichadas e uma penca de faixas extras – os tais bônus.

Por um lado, é ótimo termos acesso a material assim (quando temos a grana sobrando para bancar os altos e salgados preços cobrados). Por outro, fica aquela pulga atrás da orelha nos fazendo refletir o quê somente-comercial da novidade. Há casos incríveis de como são desenterradas porcarias e vendidas como a última bolacha do pacote. Mas entendo que a carência por discos novos que agradem nos faça achar que as reedições são o máximo de um artista hoje em dia.

Chego à minha solitária conclusão de que está faltando aquela cara-de-pau inventiva dos músicos e a atitude nada preguiçosa do público para virar esse jogo. Se rádio não quer tocar material do bom, façamos nós mesmos a trilha de nossas vidas. Sempre foi assim, aliás! A nostalgia é uma delícia quando nos vem vestida pelo afago da saudade, mas um porre quando nos escancara a desculpa da esperteza. Portanto,olhemos pra frente que tem coisa boa logo ali, aí, aqui... 


Henrique Inglez de Souza

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