CLÁSSICO INJUSTIÇADO?

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Um dia desses, me surpreendi ao encontrar numa lista de piores discos do rock o 'The House of Blue Light', do Deep Purple. A pesquisa foi realizada recentemente por um site, décadas depois desse trabalho – que saiu em 1987. Achei bem esquisito, pois desde aquele ano (1987) a banda atravessou mudanças de formação e, principalmente, foi gradualmente reduzindo o padrão “empolgante” de seus lançamentos. Há, portanto, outros deles mais indicados.

Porém, uma das regras do bom senso nos diz para não levarmos a sério esse tipo de lista (de melhor banda do mundo, melhor disco de todos os tempos, melhor não-sei-o-quê). Por mais que sejam elaboradas a partir de dez, cem ou mais de mil pessoas, é apenas o que acham dez, cem ou mais de mil pessoas. Seria egoísmo aceitarmos tais resultados como uma constatação precisa e final. Além do que, são opiniões, o que naturalmente nos leva a entendê-las serem estritamente pessoais. Enfim, é aquela coisa: o que é bom para você pode não ser o mesmo para mim e vice-versa.

No caso do Deep Purple, há tantos discos que poderiam ter entrado na seleção que li. Por exemplo, qualquer um com Steve Morse (de 1994 para cá) é anos-luz inferior ao 'The House of Blue Light'. Nunca fui lá grande fã da fase do quinteto com ele na guitarra. Acho que a química ficou seriamente desvirtuada, ainda mais depois que Don Airey substituiu o tecladista original, Jon Lord (2002). Pra mim, a alma do grupo é o trio Ian Paice (bateria)-Ritchie Blackmore (guitarra)-Jon Lord (teclado/Hammond). Com eles, até mesmo um disco com o Michel Teló seria minimamente bom e continuaria soando Deep Purple.

A pesquisa dos piores mostrou-se desatenta, malfeita e injusta em relação a um trabalho excelente. Tanto pelas composições como pela qualidade do som, esse álbum é irretocável. A formação era a clássica e, embora o registro tenha feito menos sucesso que o anterior, 'Perfect Strangers' (1984), apresenta faixas inspiradas e de fazerem sua avó achar que gostar de bolero foi a pior coisa que fez na vida.

O material empolga sem muito esforço. Sempre que ouço aquelas canções, minha atenção é empurrada imediatamente para as partes de bateria. Não sei se há outro trabalho do quinteto britânico com uma captação tão boa e detalhista da bateria como esse. Aliás, desperdiçar a voracidade certeira de Paice seria triste, não é mesmo? O finalzinho de 'The Unwritten Law' chega a ser simplesmente mântrico. De modo geral, tudo foi gravado e mixado com muita precisão – méritos para o baixista Roger Glover, produtor principal.

Ao que se refere às partes de guitarra, acho que Ritchie Blackmore prestou seu último grande serviço, repleto de riffs e solos incríveis. Em seus discos seguintes (com o Purple, Rainbow ou o Blackmore's Night), não encontramos tantos assim, realmente animalescos. Pra não citar faixa por faixa, destaco o repertório inteiro, e sem medo de errar. Tudo bem, se quiser excluir a enjoativa 'Strangeways', vou te apoiar. Essa música é meio chata mesmo (a única menos legal do disco). De resto, só material de primeira.

Não dá para aceitar que esse disco possa ser escolhido um dos piores do rock. É incoerente! O impacto de uma obra desse naipe deixa boas e profundas marcas em qualquer um. Conheci Deep Purple no final dos anos 1980, e graças ao 'The House of Blue Light'. Já tinha ouvido uma ou outra música deles antes, mas esse foi o primeiro que devorei de cabo a rabo. Era um moleque de 9 anos e escutava esse vinil sem parar com meu pai. Era uma aventura sem fim explorar cada detalhe da capa e do encarte enquanto rolava ao fundo 'Bad Attitude', 'The Unwritten Law', 'Mad Dog', 'Hard Lovin' Woman', o blues sensacional 'Mitzi Dupree'... Aquilo foi se impregnando na minha cabeça e na minha vida de forma definitiva.

Mesmo assim, sei separar as coisas e enxergar com certa frieza. Esse não é o pior álbum do Deep Purple nem a pau! Façamos uma rápida análise – sem nem contar os fracos registros com Steve Morse. Se pegarmos 'The Battle Rages On' (1993), último com o time clássico, embora seja legal, não é espetacular. Ou então 'Slaves and Masters' (1990), único com Joe Lynn Turner nos vocais. Gosto bastante, mas também é outro que beira o razoável. Se algum desses dois estivesse na pesquisa, vá lá, mas 'The House of Blue Light' não dá.

Não é exatamente questão de gosto, mas de ter um mínimo de massa cinzenta aproveitável no cérebro. Enfim, avaliar as obras com mais critério e não por causa de resenhas da mídia ou do quanto gosta da banda. Talvez por causa desse amadorismo que haja por aí tantos "álbuns injustiçados" – um castigo solitário e comodista demais para se encarar trabalhos excelentes, diga-se de passagem. Não é preciso que listas nos digam os melhores e os piores. Basta que o material nos agrade e pronto! Música é para ser curtida pelo som e não pelos rótulos, muito menos pelo gosto alheio. Afinal, com qual cabeça você pensa: com a sua ou com a dos outros?


Henrique Inglez de Souza

Comentários

  1. Henrique, a questão é que todos esperavam um disco tão bom quanto "Perfect Strangers". A maioria dos meus amigos que curtem rock não gostam do "The House of Blue Light". Eu gosto. Só descarto "Call Of The Wild". É muito arena rock. Não dá pra mim. O restante do material é bom demais. O Morse é um guitarrista competente, mas não é um criador como Blackmore. Na minha opinião, é um mero repetidor dos riffs do "homem de preto". Agora, se tem um disco do DP que eu execro é o "Slaves and Masters". Acho terrível. Muito comercial. Uma mácula na discografia da banda. Quanto às listas, não perco tempo. Acho todas elas um lixo. Sem noção.

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  2. Pode crer, Paulo... eu entendo que não seja um disco como o 'Perfect', mas acho muito bom. Sei lá... pegando o Black Sabbath como exemplo, não dá pra comparar o 'Sabbath Bloody Sabbath' com o 'Vol. 4', mas ambos são ótimos!! Saca?? São percursos naturais de uma determinada química. O 'Slaves and Masters', embora eu goste, sei que está bem longe de ser um gde disco (nem para o DP, nem para o Rainbow, já que tinha 75% da última formação do Rainbow). Entre o 'Perfect' e o 'House', às vezes acho que o segundo tem riffs mais legais, além de uma qualidade de som melhor (em minha opinião). O bom de se ter discos excelentes é que podemos transitar nossa preferência entre eles pelas chamadas fases. Abraço!

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