SEM PRESENTES PARA O NATAL

"Ho, ho, ho... Meeeeerry Christmas!", acho que essa saudação transformou parte da minha vida em um digníssimo pé-no-saco. Sempre que chega esse período do ano, o das festas de Natal, me dá certo frio na espinha. É que, por dois ou três anos, tive de aguentar uma porcaria dum enfeite sonoro de uma loja que ficava no térreo do prédio onde eu morava.

Além de ser um boneco grosseiro, um Papai Noel desfigurado e impróprio para qualquer um, tinha esse recurso de te desejar feliz Natal em inglês embalado por uma musiquinha bem da tosca ao fundo. A voz saía em um tom desagradável, mas, na hora do "Meeeeerry...", essa esticadinha ficava extremamente irritante. A intenção original podia até ser a de agradar, mas, no fundo, a utilidade daquilo era uma só: encher a santa paciência alheia, que hoje em dia já anda abalada por tudo que representa morar em uma cidade grande.

Esse treco emitia som toda vez que alguém passasse por perto. Como estava bem na entrada de uma loja situada em calçada movimentada, acionava quase que direto, e por semanas! Vira e mexe aparecia um engraçadinho que ficava indo e vindo só pra ouvir o "ho, ho, ho... Meeeerry Christmas!" repetidas vezes – e não era criança! A dona deixava ligado da manhã à noite, até a hora de fechar a zorra daquele estabelecimento.

Meu desassossego começava sempre no início de outubro. Cheguei a dar um toque na proprietária da loja, mas ela, nem aí, deu um sorriso e falou: "As pessoas gostam. É o clima de Natal". Voltei para casa mais irritado do que havia saído. Essa "magia" do Natal é outra coisa que me tira do sério. É algo artificial, decorado, de sorrisos ensaiados e um bom-coração mais hipócrita que político em campanha eleitoral. As pessoas, no geral, se travestem de atitudes bondosas e caridosas que, na verdade, deveriam acontecer o ano inteiro, a vida toda, e não só porque "é Natal".

O fato de detestar todo o circo que envolve uma tradição cujo principal protagonista é importado e vem nas cores estabelecidas por uma multinacional marca de refrigerantes, aquele boneco me incomodava profundamente. Bom, tá certo, vai... era principalmente porque aquela saudação chata se repetia inúmeras vezes ao dia. Só sei que, certa vez, me deu uns cinco minutos de raiva e tramei sabotar o enfeite. Desci e discretamente cortei o fio que alimentava aquela bizarrice com energia. Ninguém me viu e o som finalmente cessou.

Não sou de fazer isso, mas depois da terceira temporada sem paz, ao longo de três meses, aquela poluição sonora havia atingido seu limite. Voltei para casa com um ar de alívio incrível. Me senti meio mal por ter sido da forma como aconteceu, mas depois abri uma cerveja para comemorar (ou bebemorar, como diz um camarada). Já estávamos a uma semana, mais ou menos, do Natal e sabia que iria passar os últimos dias do ano num zen total (leia-se "zen" encheção de saco, entende?). E assim foi.

Entre o Natal e a virada de ano, aproveitei a folga para dar uma viajada e reabastecer as baterias para os próximos 12 meses que estavam a caminho. Vinha de uma correria danada, a qual provavelmente continuaria logo no início de janeiro. Por isso, TINHA que dar uma espairecida e mudar de ambiente, os assuntos e a rotina. Acho que todos precisam disso, na verdade. Fui para uma cidade relativamente pequena próxima a Florianópolis, em Santa Catarina. Sabia que dificilmente iria me livrar da multidão em férias, mas ainda assim valia a pena. Juntei um pessoal e me mandei.

Quando chegamos por lá, deixamos nossas tralhas na pousada e fomos dar uma volta pelas ruas e ver o movimento. Voltamos tarde da noite, completamente esgotados de viagem+passeio pela cidade. Só queria saber de dormir por longas horas. Sabe aquelas noites bem dormidas? Pois bem, era o que eu teria tido, não fosse uma porcaria duma terrível coincidência. Provavelmente, iria acordar lá pelas duas da tarde, contudo, abreviei meu sono às dez da manhã. E sabe com o quê?

- Ho, ho, ho... Meeeeerry Christmas!

Sim, aquele maldito boneco outra vez! Não acreditei naquilo. Parecia perseguição. A pousada vizinha à que eu estava também devia achar brilhante a ideia de ter uma zorra dessas "alegrando" o ambiente. Tive de aguentar o velho Noel robótico até o dia de ir embora. Quando cheguei em casa (em São Paulo), antes de subir para o meu apartamento, dei uma olhada e a dona da loja já havia recolhido o boneco "emudecido" dela. Assim, meu ano começou bem e não tive mais problemas dali em diante. Se bem que me mudei de lá por volta de julho, então, não sei se ela arrumou um Noel substituto. E, pra dizer a pura verdade, também nem faço questão de saber!

Sempre que quero exorcizar a parte chata e falsa do Natal, vou direto a um específico disco do King Diamond e escolho uma faixa em especial: 'No Presents for Christmas'. É infalível!


Henrique Inglez de Souza

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