O ANTI-HERÓI?

Anti-herói, eu?

Não, nada disso!

Não sou contra heróis. É a mania de uma perfeição que não existe que me incomoda. Tenho em meus ídolos ótimas referências, mas não deuses ou criaturas sem defeitos, nem vaidades exageradas. São meus heróis porque também têm suas falhas. Isso torna sua obra orgânica, genuína e contínua. Aliás, o que seriam de suas qualidades sem os seus defeitos? Há bandas e músicos cujas imperfeições são suas melhores qualidades. É essa briga do bom contra o ruim que embeleza uma carreira. Sem ela, qualquer coisa fica chata e bocejante, pois se esgotam as expectativas. Nesse caso, o perfeito vira repetitivo e o repetitivo vira antiarte, vira caderno de celebridades.

A perfeição é parte e não tudo: um solo perfeito, um arranjo perfeito, um momento perfeito. Até mesmo as falhas fazem parte do perfeito. Imperfeições transformam-se, sim, em perfeições. E quem não se lembra da famosa cena de Jimi Hendrix em Woodstock afinando sua guitarra enquanto toca sua versão do hino norte-americano? Talvez muitos nem reparem no instrumento desafinado porque já enlataram aquele momento como "Hendrix, ohhhh" e aí não há problema algum. Outro bom exemplo: Kurt Cobain e seu som caótico, sua maneira desleixada de tocar, errando partes, não acertando o tom da voz. Ao mesmo tempo em que era tosco, era elemento daquela química magnífica do Nirvana.

Santificar as coisas atrofia os pensamentos. Interrompe o diálogo e deixa tudo em uma única cor. Monótono, enfim. Quando os espaços se esgotam, a música fica chata e a performance robótica. O músico que embarca nessa vira (para ele mesmo) sensacional demais, completo, celebridade, a estrela que está a anos-luz de nós. De uns tempos pra cá, notei que a inspiração precisa do imperfeito, precisa do contato direto, precisa de hombridade. Quando tudo é impecável, a inspiração vai embora, caímos no burocrático, no automático, no sem graça. Para arte, pelo menos, isso é péssimo.

Não confunda inspiração com talento. O talento pode ser agraciado de inspiração, mas nutre-se mesmo é de vontade e disposição. Já a inspiração vai do estado de espírito que se renova a cada soprar dos ventos, a cada piscada, a cada acaso – lapida até mesmo a falta de talento! A inspiração revela, surpreende, transforma, renova, conserta. É a visita que recebemos quando menos esperamos e a deixamos entrar em nosso dia sem cara feia. Aproveitamos sua presença o máximo que podemos, pois ela é permissiva, se entrega a nós e se esparrama para os outros.

Não sou anti-herói e nem nunca fui. Inclusive, são meus heróis que me inspiram a dar a volta por cima. São eles, principalmente, que me mostram que ter falhas não é o fim do mundo, que um show ruim ou um disco sem graça tem solução (e isso vale para qualquer assunto de nossas vidas). São meus heróis que me ensinam o quão os altos e baixos fazem parte do dia-a-dia. Por sinal, foram os meus heróis que me mostraram não haver a tal perfeição pela qual muitos têm uma mania cega. Portanto, para que achar que os ídolos não erram, não pisam na bola? Ter consciência disso não impede que eles continuem sendo meus heróis. Ficam até mais próximos.

Anti-herói, eu? Conte outra!


Henrique Inglez de Souza

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