O TEATRO QUE NÃO VALE A PENA

Outro dia, uma amiga me perguntou se eu não conhecia alguém que pudesse escrever sobre teatro para um caderno cultural de um jornal. Respondi que eu poderia ser esse alguém. Ela achou que estava brincando e deu uma risadinha simpática. Soltou um "é sério, vai! Seu negócio é música. Não é sobre isso que escreve?". Sim, é verdade, mas acho que rola me candidatar à oportunidade, respondi.

De fato, essa minha amiga tinha e tem toda razão: não manjo bulhufas do universo do teatro. Mas, se pararmos para pensar, o jornalismo musical também acaba tendo que lidar com certo "teatro". É aquele que se cria e alimenta junto à grande mídia e envolve diferentes estilos (rock, blues, country...). Estou falando do "fantástico" mundo dos famosos (dos astros, das turnês milionárias, das vendagens descomunais de discos e do que tudo isso gera).

Esse exagero extremo que transforma músicos em semideuses, em entidades superiores e inatingíveis, acaba sendo um pé no saco. Vira um negócio piegas e idiota. Por exemplo, quando Paul McCartney esteve no Brasil, em 2010, o que li e ouvi de gente o tratando como algo extraterreno foi irritante. Parecia que um deus tinha vindo visitar nosso humilde e longínquo país. Que besteira! Tudo bem, os Beatles foram uma das maiores bandas do rock, mudaram muita coisa na cultura mundial e tal. Assim como McCartney desenhou uma espetacular carreira solo (incluo nessa a fase Wings). Não discordo de nada disso, mas transformá-lo em mais do que realmente é, aí já é querer forçar a amizade.

O mesmo vale para John Lennon, Elvis Presley, Janis Joplin, Jimi Hendrix, The Doors, Rolling Stones, Black Sabbath, Kiss, Iron Maiden, Metallica, Nirvana, Foo Fighters e uma lista imensa de outros astros imortais. Gosto de todos eles e acho que estão anos-luz de muitos outros, mas não me venham com essa baboseira de colocá-los em outro plano. Mesmo porque eles vão (iam) ao banheiro, almoçam, têm sono, dão topada no pé da mesa, sentem dor, frio, alegria... assim como nós. Vai dizer que as flatulências desses caras são perfumadas com a fragrância dos deuses? Eu dispenso!

É por isso que muitos desses músicos ficam uns insuportáveis, cheios de frescuras e não-me-toques. Bom, dá pra entender o lado deles também, né? Imagine um monte de fãs histéricos o dia inteiro, enchendo sem parar. Se bem que tem aqueles músicos que adoram fazer o tipo. É... enfim, tem de tudo! Mas essa geleia geral é fruto justamente do "teatro" ao qual me referi. Ou seja, passa-se a cultivar caras e poses, vaidades, performances de personalidade, artificialismos e banalidades toscas (tipo atirar televisão janela de hotel abaixo). Só existe isso porque tem pessoas querendo aparecer para um público que consome essa semostração toda. E isso é rock and roll? Isso é blues ou reggae, ou seja lá o estilo musical que for? É claro que não!

Não é à toa que vira e mexe me pego pensando que quem realmente incorpora o espírito do músico (aquele de se entregar à uma composição, às notas e melodias para um público interessado em curtir... música) são os músicos eruditos. Mesmo não sendo o meu estilo preferido (o erudito), sei reconhecer sua devoção pela arte em si e não pela vaidade e pela fama de capa de revista ou programa de televisão. Duvida? Então, responda rápido (e sem pesquisar na internet): qual é o nome do oboísta da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo ou de alguma outra?

Viu só! É o que digo, os eruditos estão ali simplesmente para tocar e a plateia para curtir o som deles e não as performances extramusicais de cada integrante em palco. Nos casos dos estilos que gosto (rock, metal, reggae, MPB, bossa, blues...), o que gosto é da música, do talento, dos predicados da alma, que, quando misturadas, por exemplo, originam shows explosivos e sensacionais.

Não sou contra à fantasia e ao imaginário que a música e seus respectivos criadores e executores são capazes de estimular. Pelo contrário, acho que têm que haver sim, pois são algumas das qualidades de algo bem-feito e admirado por muitos. O que eu realmente detesto é transformar tal magia em consumismo banal, em necessidade, em valores artificiais, em puro modismo. Esse "teatro" que se cria serve apenas pra encarecer discos, DVDs e ingressos de shows e transformar algo bom em jogada de marketing.

P.S.: Minha amiga concordou comigo, mas disse que precisava de alguém que lidasse com o teatro da arte mesmo e não o do mundo dos famosos. De qualquer jeito, valeu a minha tentativa!

Henrique Inglez de Souza


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