HÁ HORA PRA TUDO!


Imagine encarar um cara extremamente esfomeado e enfurecido, louco para querer devorar tudo o que puder (e aguentar) de uma farta mesa de café da manhã de um hotel. Você tem a difícil missão de tentar explicar que o horário já passou e que não há essa possibilidade. Mesmo assim, roxo de fome, o sujeito não quer nem saber e insiste no banquete de desjejum.

Essa pode não ser uma cena tão estranha, mas tenho certeza de que o atendente do hotel que teve de lidar com o baixista do Nazareth não deve ter passado minutos confortáveis. Bastava reparar na sua expressão de “hein??” (ou melhor, de deus-me-acuda) e no seu inglês muito do fajuto. Mas, se você quer mesmo saber, de nada adiantaria ele ter um inglês acadêmico. O músico escocês estava possesso.

Foi um showzinho particular aquilo – e sem canções!

Só pra situar: em 2007, o Nazareth esteve no Brasil para uma turnê de quatro datas – Porto Alegre, Curitiba, Florianópolis e São Bernardo do Campo (SP). Eu trabalhei como assessor de imprensa dessa maratona, que acabou se transformando no CD e DVD ao vivo ‘Live in Brazil’. Foi uma semana corrida. Não houve o chamado ‘day off’ (dia de folga). Quando chegamos à última parada, na cidade da Grande São Paulo, estávamos todos bem cansados.

Ficamos em um grande hotel (onde também estava hospedada a equipe de segurança do nosso então presidente Lula). A certa altura, lembro de ter dado uma descida ao lobby para fazer qualquer coisa. Foi aí que me deparei com essa cena hilária do baixista (e um dos fundadores da banda) Pete Agnew, louco pelo seu café da manhã.

- Senhor, fique calmo! Desculpe, mas não estamos mais servindo o café da manhã – o rapaz do hotel, a certa altura, desistiu do seu “inglês” providencial. Viu que não iria adiantar mesmo e passou a dialogar em português.

- Como vocês não têm café da manhã?! Eu quero meu café da manhã!! – reclamou o músico em um escocês quase incompreensível.

- É que... É que... – o rapaz começou a engasgar.

O engraçado foi que, conforme os dois iam discutindo, o papo caminhava por direções diferentes (depois, apareceu mais um atendente do hotel para tentar ajudar a “apagar o fogo”). Parecia aquela brincadeira do telefone sem fio. Quando um descobriu o que o outro queria (o café da manhã), o outro já devia estar crente de que o hotel não costumava servir café da manhã. Ou, sei lá, devia achar que não havia esse serviço por lá. Era algo que o deixava irado.

A coisa toda foi meio rápida, mas levou tempo suficiente para dominar a atenção de todos que passavam pelo lobby (ainda mais depois que se descobria o porquê daquilo). Considerei tentar ajudar, mas preferi ficar na minha. Dane-se! Não é da minha conta, pensei comigo. Foi então que apareceu o Alan, escocês, empresário da banda.

Esse cara é um sujeito que você jura de pés juntos ser um colecionador de selos, um professor universitário aposentado ou apenas um turista que gosta de tomar chá e jogar xadrez às cinco da tarde em ponto. Tudo menos um empresário de uma banda de rock. Pelo menos, vai contra àquele estereótipo de empresário de ar ranzinza e implicante (ok, é só um estereótipo, eu sei).

Mas, enfim, o Alan apareceu e logo se inteirou do que se passava com seu amigo faminto. Tentou ajeitar as coisas, com toda a educação, mas sabia que a missão era difícil e um tanto constrangedora. Ele havia descido justamente para falar com Pete Agnew e alertá-lo do show de logo mais. Porém, o baixista não queria saber. Tinha que tomar o tal do café da manhã.

O que fazer? O Alan deu a solução: levou seu amigo a uma janela e lhe mostrou por que não estavam mais servindo o café da manhã. “Já é noite, Pete! Veja!” e abriu a cortina, deixando o breu noturno lhe tomar a vista. “Já, já tem show”, completou. Ufa! Até que enfim o Pete se ligou, pensei.

Convencido e com certa cara de embrulho, Pete Agnew saiu de fininho, sem nem se desculpar pelo papelão. Ah, sim! E ainda conseguiu descolar um lanchinho preparado especialmente para ele pela boa-vontade do pessoal do hotel.

Henrique Inglez de Souza

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